A Volta da Treta



Por: Daniel Conde
O Verão, passado em casa dos avós maternos numa aldeia da Serra da Coroa, concelho de Vinhais, Nordeste Trasmontano, fazia-se de pequenos rituais do dia-a-dia. Um deles foi, durante vários anos, seguir religiosamente pelas tardes de Agosto as etapas da Volta a Portugal em Bicicleta.
Foi, porque já não é. Era delicioso de facto ver as marcações do asfalto a ficarem para trás num esforço hercúleo dos ciclistas, aplaudidos aqui e ali, em terras tão distintas pelo país a fora. Era de facto um espectáculo, que me alimentou o bichinho da bicicleta – ainda que de montanha, e não de estrada – até hoje.
Mas foi, como disse, um ritual imperdível, com o ponto alto aquando da passagem da Volta em Vinhais no ano 2000, na para mim célebre etapa em que um ciclista do Benfica teve uma queda feia a pouquíssimos quilómetros da minha aldeia natal, e foi ainda ganhar a etapa na meta em Bragança. No entanto, com o passar dos anos, e o desenvolvimento de algum espírito crítico perante as coisas, comecei a reparar que, de ano para ano, os nomes de algumas localidades, nessa aula de geografia emocionante que é cada etapa da Volta, teimosamente se repetiam, até ao exagero. Ano após ano, em etapas normais, prólogos ou contra-relógios, em partidas ou chegadas, e às vezes em partidas e chegadas na mesma etapa, ou chegada num dia e partida no dia seguinte, algumas vilas e cidades teimavam em aparecer, tirando o lugar a tantas outras que só vêem passar a Volta quando o rei faz anos (e Portugal já é uma República há 100 anos). Não vamos mais longe: sendo nordestino e amante do ciclismo, seja ele de que modalidade for, dói-me a alma ao ver que entre 2000 e 2010 só houve uma única chegada e uma única partida da Volta no distrito de Bragança, e isso em… 2000.
E nada mais simples: pegando no histórico das partidas e chegadas de etapas da Volta entre 2000 e 2010, constata-se que há 17 localidades que foram contempladas com partidas e/ou chegadas por 5 ou mais ocasiões, e destas 4 que as acolheram mais de 10 (dez!!!) vezes. Neste grupo restrito, o qual me chamou a atenção para a constante repetição, estão as localidades de Fafe (16 participações, estando desde 2001 ininterruptamente presente, tendo por 5 anos consecutivos, entre 2001 e 2005, participado como chegada e partida na mesma edição da Volta), Viseu (15 participações, ininterruptamente presente desde 2003, igualando Fafe com 5 anos consecutivos como local de chegada e partida na mesma edição da Volta, e participando como etapa final da Volta por 4 vezes neste período de tempo), Castelo Branco (11 participações, ininterruptamente na Volta entre 2002 e 2009, com uma edição a figurar como local de chegada e de partida), e Gouveia (10 participações, ininterruptamente na Volta desde 2003, tendo uma edição como local de chegada e de partida). No grupo que teve entre 5 a 9 presenças, estão Beja, Fundão, Guarda, Idanha-a-Nova, Lisboa, Loulé, Mondim de Basto, Portalegre, Portimão, Santo Tirso, São João da Madeira, Senhora da Graça e Torre (as duas últimas não são localidades, mas contam como local de partida e/ou chegada).
E o mais hilariante, guarda-se sempre para o fim: a edição deste ano não é que vai contemplar localidades como Fafe (partida e chegada, outra vez), Santo Tirso, Mondim de Basto, Gouveia, Viseu, Castelo Branco, Guarda e Lisboa? O grupo dos 4 magníficos intacto, e outros 4 a somarem mais uma participação depois de pelo menos 5 nos últimos 10 anos.
É hora de dizer “meus senhores, para mim chega”. Esta Volta a Portugal, prova do calendário internacional de ciclismo com um potencial para mim só batido pelas 3 grandes provas (Giro, Tour e Vuelta), caiu definitivamente numa lógica torpe e mesquinha de interesses que só quem for cego não reconhece. Na verdade, nem vale a pena chamar-lhe mais “Volta a Portugal em Bicicleta”, mas sim “Volta a Fafe, Viseu, Castelo Branco e Gouveia, e outras localidades por aí”. Já não seria o primeiro ano em que não daria nem um minuto perdido a ver a Volta na televisão, por isso a minha ausência não será notada de qualquer das formas no share televisivo. Mas como diz e bem o ditado, o que é demais, enjoa, e para mim esta volta da treta já causa náuseas.
Um bem-haja a todos os amantes do ciclismo sem interesses, e oxalá a Volta volte ao distrito de Bragança antes de eu atingir a esperança média de vida em Portugal (o que ainda falta quase 50 anos para acontecer).
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Por: Daniel Conde |
O Verão, passado em casa dos avós maternos numa aldeia da Serra da Coroa, concelho de Vinhais, Nordeste Trasmontano, fazia-se de pequenos rituais do dia-a-dia. Um deles foi, durante vários anos, seguir religiosamente pelas tardes de Agosto as etapas da Volta a Portugal em Bicicleta.
Foi, porque já não é. Era delicioso de facto ver as marcações do asfalto a ficarem para trás num esforço hercúleo dos ciclistas, aplaudidos aqui e ali, em terras tão distintas pelo país a fora. Era de facto um espectáculo, que me alimentou o bichinho da bicicleta – ainda que de montanha, e não de estrada – até hoje.
Mas foi, como disse, um ritual imperdível, com o ponto alto aquando da passagem da Volta em Vinhais no ano 2000, na para mim célebre etapa em que um ciclista do Benfica teve uma queda feia a pouquíssimos quilómetros da minha aldeia natal, e foi ainda ganhar a etapa na meta em Bragança. No entanto, com o passar dos anos, e o desenvolvimento de algum espírito crítico perante as coisas, comecei a reparar que, de ano para ano, os nomes de algumas localidades, nessa aula de geografia emocionante que é cada etapa da Volta, teimosamente se repetiam, até ao exagero. Ano após ano, em etapas normais, prólogos ou contra-relógios, em partidas ou chegadas, e às vezes em partidas e chegadas na mesma etapa, ou chegada num dia e partida no dia seguinte, algumas vilas e cidades teimavam em aparecer, tirando o lugar a tantas outras que só vêem passar a Volta quando o rei faz anos (e Portugal já é uma República há 100 anos). Não vamos mais longe: sendo nordestino e amante do ciclismo, seja ele de que modalidade for, dói-me a alma ao ver que entre 2000 e 2010 só houve uma única chegada e uma única partida da Volta no distrito de Bragança, e isso em… 2000.
E nada mais simples: pegando no histórico das partidas e chegadas de etapas da Volta entre 2000 e 2010, constata-se que há 17 localidades que foram contempladas com partidas e/ou chegadas por 5 ou mais ocasiões, e destas 4 que as acolheram mais de 10 (dez!!!) vezes. Neste grupo restrito, o qual me chamou a atenção para a constante repetição, estão as localidades de Fafe (16 participações, estando desde 2001 ininterruptamente presente, tendo por 5 anos consecutivos, entre 2001 e 2005, participado como chegada e partida na mesma edição da Volta), Viseu (15 participações, ininterruptamente presente desde 2003, igualando Fafe com 5 anos consecutivos como local de chegada e partida na mesma edição da Volta, e participando como etapa final da Volta por 4 vezes neste período de tempo), Castelo Branco (11 participações, ininterruptamente na Volta entre 2002 e 2009, com uma edição a figurar como local de chegada e de partida), e Gouveia (10 participações, ininterruptamente na Volta desde 2003, tendo uma edição como local de chegada e de partida). No grupo que teve entre 5 a 9 presenças, estão Beja, Fundão, Guarda, Idanha-a-Nova, Lisboa, Loulé, Mondim de Basto, Portalegre, Portimão, Santo Tirso, São João da Madeira, Senhora da Graça e Torre (as duas últimas não são localidades, mas contam como local de partida e/ou chegada).
E o mais hilariante, guarda-se sempre para o fim: a edição deste ano não é que vai contemplar localidades como Fafe (partida e chegada, outra vez), Santo Tirso, Mondim de Basto, Gouveia, Viseu, Castelo Branco, Guarda e Lisboa? O grupo dos 4 magníficos intacto, e outros 4 a somarem mais uma participação depois de pelo menos 5 nos últimos 10 anos.
É hora de dizer “meus senhores, para mim chega”. Esta Volta a Portugal, prova do calendário internacional de ciclismo com um potencial para mim só batido pelas 3 grandes provas (Giro, Tour e Vuelta), caiu definitivamente numa lógica torpe e mesquinha de interesses que só quem for cego não reconhece. Na verdade, nem vale a pena chamar-lhe mais “Volta a Portugal em Bicicleta”, mas sim “Volta a Fafe, Viseu, Castelo Branco e Gouveia, e outras localidades por aí”. Já não seria o primeiro ano em que não daria nem um minuto perdido a ver a Volta na televisão, por isso a minha ausência não será notada de qualquer das formas no share televisivo. Mas como diz e bem o ditado, o que é demais, enjoa, e para mim esta volta da treta já causa náuseas.














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