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Ciclovia do Sabor ou o Manual de Mau Investir
Publicado quarta-feira, 21 de janeiro de 2009 | Por: Notícias do Nordeste

=A ponte rodo-ferroviária sobre o Douro no Pocinho, datada de 1909 e encerrada há mais de 2 décadas, vai ser proposta para reabertura e reconhecimento como Património Nacional pelas autarquias de Vila Nova de Foz Côa e de Torre de Moncorvo, ligadas por esta obra de arte. Entre os motivos da sua reabertura figura o alargamento da Ciclovia do Sabor de Moncorvo ao Pocinho, actual término da Linha do Douro.

A moda nacional e imponderada de transformar tudo o que seja leito ferroviário encerrado numa ciclovia já teve efeitos reconhecidos como prejudiciais pela autarquia de Fafe, com a sua ciclovia na Linha de Guimarães, privando-se assim dos Intercidades e Suburbanos que chegam à Cidade Berço. No Douro, a absurda ideia de converter o troço Pocinho – Barca d’Alva em ciclovia já foi liminarmente recusada por uma coligação de 28 autarquias durienses. Reabrir a Linha do Douro e a sua ligação ao Ramal de Boadilla e Salamanca é agora um projecto internacional, que em Espanha é apadrinhado pelas Cortes, mas que em Portugal é remetido para as autarquias locais pelo Governo, para quem o comboio no troço superior do Douro não representa um serviço público nem tão pouco um investimento crucial para promover e desenvolver uma região que foi considerada como estratégica pelo próprio PENT (Plano Estratégico Nacional do Turismo).

E não terminam aqui as incongruências das ciclovias. A ciclovia do Sabor, projecto apadrinhado pela autarquia de Moncorvo, está a registar um extraordinário custo de € 125.000/km mais € 10.000 de renda anual paga à REFER, naquilo que é em bom rigor um caminho de terra batida que aliás já existia: é o canal da Linha do Sabor, Via Estreita (VE) que liga Duas Igrejas (Miranda do Douro) ao Pocinho. Em 1995, recordese, a edilidade julgou incomportável a reabertura de 30km desta linha, que ficaria a preços de hoje em € 6.500/km, a mesma distância que pretende transformar em ciclovia a preços astronómicos. O autarca, Aires Ferreira, afirma que o equipamento é utilizado sobretudo pelos habitantes locais, pelo que o retorno do investimento através do Turismo é residual ou nulo. Mas o facto mais curioso é o de convidar os turistas que cheguem ao Pocinho de comboio a entrar directamente na ciclovia para chegar a Moncorvo. O que o autarca nunca menciona neste gracioso projecto é que os senhores turistas ao sair do comboio no Pocinho terão diante si a maior rampa ferroviária de Portugal. Trocado por miúdos, aos corajosos turistas é-lhes dada a hipótese de alcançar Moncorvo a pé ou de bicicleta ao cabo de 12km de canal que vencem 280m de desnível, onde as próprias locomotivas a vapor faziam uma paragem técnica para recuperar pressão. Se a coragem chegar a tanto, podem mesmo ir pela ciclovia até Felgar, e as contas transformam-se em 25km para se vencer um desnível de 540m de altitude, a totalidade da maior rampa ferroviária do país.

A VE em Espanha é contudo algo nos antípodas do que ela é em Portugal. A FEVE (Ferrocarriles de Via Estrecha) gere 1200km de vias estreitas, 300km dos quaismelectrificados, adquiriu recentemente 12 novos comboios (49 M€) comm capacidade para atingir 120km/h (na Linha do Douro os comboios de Via Larga não atingem essa velocidade), investiu também em 120 novos vagões de mercadorias (16 M€), e gere qualquer coisa como 8 comboios históricos (Portugal inteiro tem apenas 2), sendo um deles o celebrado Transcantábrico, mais antigo e luxuoso da Península Ibérica. Mas o que mais surpreende na FEVE foi que em 2003 reabriu uma linha de 340km por 42 M€. Para se ter noção do que seria reabrir 340km de caminho-de-ferro em Portugal, poderemos pensar que seria o equivalente a reabrir a Linha do Tâmega (40 km encerrados), do Corgo (71km encerrados), do Tua (76km encerrados), do Sabor (105km encerrados), do Douro (28km encerrados), e com os restantes quilómetros quase que se ia de Bragança à Puebla de Sanábria, almejada meta para a Linha do Tua alcançar a Alta Velocidade Europeia nesta localidade espanhola. Fazendo as contas, gastou-se algo como € 123.500/km, menos do que o que está a custar uma ciclovia de terra batida num traçado já existente.

Fica assim definitivamente refutada a justificação de que as ciclovias são benéficas para conservar o canal ferroviário, impedir a apropriação abusiva de espaço que é do Estado, e recuperar estações vandalizadas graças à incúria da CP e da REFER, tal a comparação de custos com o que seria retomar a exploração ferroviária. O desperdício de potencial é tão mais óbvio se pensarmos que parte do mais antigo programa turístico da CP, o das “Amendoeiras em Flor”, obriga os turistas a fazer de autocarro o que poderiam fazer de comboio pela Linha do Sabor. Não são necessários mais inquéritos que os já realizados para saber que os turistas e demais utentes preferem as curvas e condições de transporte dos caminhos-de-ferro às das estradas. Avançando a decisão do regresso do comboio “para as gerações futuras”, Aires Ferreira só vem hipotecar ainda mais um futuro que se não for procurado a tempo levará a região envolvente a acelerar a sua desertificação. Afirmar que a reabertura é díspar pela distância das estações face às respectivas localidades é uma descarada mentira: as que distam mais de 1km, distância perfeitamente transposta a pé, são apenas 6 em 21 (Mós, Freixo de Espada à Cinta, Bruçó, Mogadouro, Sanhoane e Urrós), cuja solução é tão simples quanto a criação de pequenas carreiras de autocarro para o caso de Freixo e de Mogadouro, e táxi ou viatura particular para as restantes, suportadas por boas acessibilidades, e contemplando é claro a conclusão da linha até à cidade de Miranda do Douro. Dizer-se que é impossível reabrir por já não haver carris é igualmente falacioso; comparando com a reabertura da Linha do Douro a Barca d’Alva, certamente não estão à espera que o comboio vá passar pela via com os carris e travessas que lá soçobram podres e enferrujadas.

Não estamos a falar de construir castelos nas nuvens; estamos a falar de um terrível desperdício de fundos nacionais e comunitários que, bem aproveitados, trariam o comboio de volta ao planalto do Douro. E com ele os turistas, o transporte de mercadorias e o de estudantes e idosos mais barato que pela rodovia, o emprego directo e indirecto duradouro. Todo um leque de coisas que nem uma ciclovia nem uma barragem trazem.

Daniel Conde
Lisboa, 19 de Janeiro de 2009

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